Foto de Karina Mattos
Há quem o conheça por sua coluna Gente Boa, mas não imagina a trajetória deste carioca que trabalhou mais de uma década na revista Veja, e marcou a redação de um dos cadernos de comportamento mais importantes dos anos oitenta. Sempre atuante nos modismos e tendências de sua época, o Caderno B do Jornal do Brasil.Em um papo descontraído e cheio de lembranças de um Rio de Janeiro marcante, Joaquim Ferreira dos Santos abriu as portas de seu apartamento no Cosme Velho, para uma entrevista exclusiva ao Falando do B, ao som do bondinho do Corcovado. Mais carioca impossível!
Como foi para você trabalhar no Caderno B em uma época em que só trabalhavam mulheres?
Eu entrei no Caderno B em 1983 e só tinha mulher mesmo. O editor era o Zózimo Barroso do Amaral. O sub-editor era Max Luiz e eu era o único repórter homem. Era coisa de mulherzinha, então homem não tinha lugar. Eu era o único repórter, o resto era realmente só mulheres.
De início, deu algum problema quanto a ser homem?
Não. Porque o Caderno B era uma mistura de artes, espetáculos, cultura e comportamento. Tinha de haver matérias de cidade no ponto de vista do comportamento. E sempre foi a minha área. Eu era repórter da Veja, onde eu fazia matérias de cidade, comportamento, que cabe um monte de coisas dentro disso, e fazia críticas de shows, de música, de televisão, estes aspectos de cultura. E o Caderno B é a mistura disso. Juntava todas estas minhas afinidades.Este negócio de Segundo Caderno não era, e continua não sendo, para jornalistas “sérios”. Para aqueles que quisessem ficar importantes, crescer. Eles faziam política, economia. Tinham seriedade a princípio. O segundo caderno é leve, de entretenimento, abobrinhas, e como eu gostava disso, embora quisesse seguir em frente e seguir carreira, eu sabia fazer, apostei e continuei nisso.
Você lembra de algum fato marcante na época em que trabalhou no Caderno B?
A reportagem mais marcante que eu fiz, sem dúvida, foi uma que tinha o título de “Nuvens suburbanas sob o sol de Ipanema”. Era uma matéria que tinha como pauta fazer sobre os ônibus que estavam engarrafando as ruas de Ipanema. O Túnel Rebouças não podia ter ônibus, acho que em 84/85. Até que o Brizola autorizou passar uma linha, que era São Cristóvão/ Ipanema, saindo de Leopoldina. Foi a primeira linha direta, que em 10 minutos você estava na Zona Sul. Então, os leitores estavam reclamando, segundo o editor, que os ônibus estavam engarrafando. Uma pauta muito mixuruca para segundo caderno. Mas eu vi logo que não era uma matéria de trânsito, era uma matéria de comportamento. Os moradores estavam reclamando da invasão das pessoas do subúrbio em Ipanema, do seu modo de ocupar Ipanema, de seu modo de ir à praia. E então eu fiz esta matéria do ponto de vista do preconceito da Zona Sul em relação ao subúrbio.Eu fiz uma matéria que ela não tinha texto de costura, fiz basicamente com os depoimentos. Em uma tarde, eu entrevistei muita gente. Umas 20 pessoas. Eu fiz uma abertura e depois eu colava os depoimentos, e eles contavam uma história. E terminava com um cachorro latindo, dizendo que a praia estava irreconhecível, onde as pessoas ficavam todas em farofadas, que as pessoas não sabiam se comportar. Eu não assumia nem um lado, nem o outro lado. Era parcial, eu colocava as pessoas falando. As confusões foram as mais diversas. Metade achou que eu estava a favor dos suburbanos, e a outra metade, que eu estava a favor da Zona Sul. No jornal, eu recebi muitas cartas protestando contra a matéria, que a julgavam preconceituosa. Repercutiu muito. Foi um espelho do bairro naquele momento. Uma matéria de trânsito, mas eu achei que não era de trânsito coisa nenhuma. As pessoas que estavam reclamando do comportamento e do modo de vida. E era um momento importante na história da cidade, aonde pela primeira vez o subúrbio chegava à Zona Sul em 10 minutos.Fiz também a época do Rock In Rio. Fazia também muitas matérias de música, que era a minha especialidade. Música brasileira, mas sempre juntando as coisas. Sempre juntando a ótica do comportamento. Foi uma época bacana, em que o Caderno B era um jornal forte e ditava a moda da cidade. A moda passava pelo Caderno B. Tudo que era importante, ou que ainda ia acontecer, o Caderno B antecipava os modismos, as ondas, as turmas, os lugares. Era um guia da cidade. O que estava acontecendo na cidade saía primeiro no Caderno B. Falava sobre o frescor da cidade, mas era em uma época em que o Rio estava mais, e continua sendo, mais unânime. Você podia respirar mais esses modismos sem a violência. Hoje, tudo passa pela violência. Antigamente passava pelo choque cultural. O estilo carioca de viver.
Uma coisa que eu fiz, que eu acho que fui eu, nunca ouvi ninguém dizendo que não fosse, que é esta coisa que se faz muito hoje, que é o balanço do verão. A grande época da cidade e a grande época do Caderno B. Época dos biquínis, dos posto da praia. Ouvia tribos e traçava o perfil. Já vi muita gente jogar coisa fora e eu ir lá e fazer umas matérias grandes. Eu fiz o primeiro balanço do verão, que no Rio de Janeiro é quase um ano a parte.
Você acha que os segundos cadernos de hoje têm seu assunto principal pautado em celebridades?
Hoje é inteiramente diferente. Não abrem mais espaço para matérias de comportamento. Classificaram de Artes e Espetáculos, com agenda, os shows que vão acontecer, as crises culturais, bastidores, mas é tudo cultura. Nessa época, não. Abria para comportamento, modismos, cidade. Talvez a matéria mais famosa do Caderno B, que é um pouco anterior a minha passagem por lá, foi a do Black Rio, nos anos 70, e foi um espanto na vida da cidade. Porque sempre foi um caderno chamado de elitista, muito Zona Sul, muito Copacabana, Ipanema. Um dia você abre o Caderno B, e tinham sei lá quantas páginas, umas 6, sobre o Black Rio, que era o estouro da música Black, Soul Music. Era Zona Norte, mas carregando no bojo da música o comportamento, modo de vida, cabelo, sapato, então foi um choque nas fotos, que não saia no jornal e o Caderno B descobriu com o faro que tinha para descobrir, o Black Rio. Até hoje tem desdobramentos do Black Rio.Hoje, os segundos cadernos não se identificam tanto quanto a isso, e continua sendo pauta mais de revistas. O segundo caderno perdeu este nicho. Acho uma pena, porque abria para pautas mais surpreendentes.
Você veio com uma bagagem muito grande da revista Veja e deu de cara com o Caderno B do JB. O que você acha que acrescentou para você na época?
Na Veja, todas as matérias eram reescritas. Você não identificava nada seu, ou identificava muito pouco. Eu já estava 11 anos na Veja, e era um repórter importante, mas a Veja tem um jeito de ser.Quando eu saí de férias, e recebi uma proposta do Jornal do Brasil, onde meu texto saía na íntegra. Eu tinha espaço para escrever os assuntos. A Veja era tão importante quanto hoje, mas no Caderno B era um texto mais autoral. Eu podia colocar a minha cara.
Postado por Amarilis Brandão, David Trindade e Karina Mattos
Que isso hein...parada "profissa".
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