O Jornalismo Cultural
(Por Arthur Dapieve)
Dado o compreensível deslumbramento de estudantes e jovens profissionais pela área, a primeira coisa a ser dita sobre jornalismo cultural talvez seja a seguinte: ele não é, em si, uma forma de arte. Jogado o balde de água fria, cabe então acrescentar calorosamente: apesar disso, os chamados "segundos cadernos" continuam a ser, na imprensa brasileira, o habitat por excelência da experimentação e da renovação, tanto no texto como na apresentação gráfica. De tal forma que recursos inventados nas editorias de cultura são tomados emprestados pelas outras editorias, arejando jornais ou revistas. É de bom tom, porém, que essa avenida seja de mão dupla: o repórter cultural jamais deve perder de vista que, por mais "cultural" que ele seja, continuará sendo "repórter". E, portanto, em comum com seus colegas de redação, continuará tendo responsabilidades para com o leitor.Mas por que o jornalismo cultural acabou por se tornar o obscuro o objeto do desejo de expressiva parcela de formandos e recém-formados? Entre outras razões porque, anteriormente, o próprio caderno cultural havia se tornado objeto de desejo de quase todos os grandes e médios jornais brasileiros a partir da criação do Caderno B, do Jornal do Brasil, tal como o entendemos. No final dos anos 1950, o artista plástico Amílcar de Castro foi convidado por Odylo Costa, filho, para reformular o jornal visualmente. Não era tarefa fácil. Era preciso quebrar resistências em vários setores do JB, dos cargos de chefia aos operadores da gráfica. A sua nova primeira página, por exemplo, com um "L" de anúncios, mas ainda muito semelhante à que vemos hoje em dia, só foi pela primeira vez para as ruas a 2 de junho de 1959, cerca de dois anos depois do início do trabalho de Amílcar.Foi nesse contexto que surgiu o Caderno B. Destinado a não apenas tratar de cultura, mas também a ser, ele próprio, um produto cultural. Parte do hábito de se embaralhar jornalismo de arte com arte do jornalismo vem, por conseguinte, dessa concepção de suplemento, suplemento anteriormente identificado como "feminino" ou "de variedades". O velho B podia se dar a este luxo: contava em seus quadros, por exemplo, com o designer Reinaldo Jardim e com o poeta Ferreira Gullar. Ambos, e outros tantos, eram representantes de um tempo pré-regulamentação da profissão de jornalista, na qual escrever bem literariamente se confundia com escrever bem jornalisticamente. Graças a essa confusão, é bom ressaltar, os jornais brasileiros foram enriquecidos por, entre tantos outros, Graciliano Ramos e Nelson Rodrigues. Quase todo escritor nativo de antes dos anos 1970 pisou numa redação. A língua agradece.Com seus textos criativos e sua diagramação arrojada, o Caderno B tornou-se então um ponto de referência na imprensa do país. "Caderno B, você ainda vai ter um", poderia ter sido o slogan dos jornais brasileiros. Cedo ou tarde, todos os mais importantes criaram ou recriaram seus suplementos, às vezes traindo sua inspiração já nos títulos: Dia D (O Dia), Tribuna Bis (Tribuna da Imprensa), Caderno 2 (Estadão). O resultado foi que os cadernos de cultura à moda brasileira se tornaram sui generis no mundo. Não há, nos EUA ou na Europa, suplementos diários de cultura trazendo reportagens, resenhas críticas, colunas assinadas e, tão importante quanto, o chamado "serviço", ou seja, notinhas com o roteiro dos cinemas, teatros, galerias, casas de espetáculo: seus endereços e telefones, seus horários e dias de funcionamento, etc.No exterior, esse tipo de jornalismo fica restrito a um caderno semanal nos grandes diários, ou a revistas especializadas. Notícias sobre cultura são publicadas todos os dias, mas não em seções especiais, em separado, com as mesmas características conceituais dos cadernos brasileiros tributários do B.
Amadeus
Há um ano
Nenhum comentário:
Postar um comentário