Sobre nós


O blog “Falando do B” tem como objetivo resgatar a história de um grande sucesso do Jornal do Brasil, o Caderno B. Os alunos da FACHA (Méier) desejam mostrar o início desse suplemento, a sua fase áurea, os grandes escritores e jornalistas que trabalharam no caderno e o quanto ele foi importante, visto que inaugurou uma área cultural até então inexplorada pelo jornalismo brasileiro. Os cadernos culturais se transformaram em objeto de desejo da maioria dos jornais depois de sua criação. O Caderno B foi o pioneiro e até hoje nós podemos curtir esse trabalho diariamente no JB.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Sucesso relâmpago de hoje Susan Boyle na visão de Mario Marques

Esse artigo é bem fresquinho, mas gostei muito de como Mario Marques expressa sua opinião a respeito desses "novos talentos" que surgem do nada e vão para o nada

É preciso ouvir a obra de Chico Buarque para lembrar que Susan Boyle é nada

Mario Marques, Jornal do Brasil

RIO - Esquecíveis, como qualquer produto de entretenimento da internet – sem piedade atropelado pelo fenômeno seguinte – Mallu Magalhães e Susan Boyle entram para os anais da indústria cultural como exemplos de artistas que ganharam fama mais pelo pacote do que pelo conteúdo. Mallu era a menininha de 15 anos que tocava musiquinhas ao violão evocando Bob Dylan e Johnny Cash e namorou (ou namora, ou não) Marcelo Camelo. Susan Boyle era feia, gorda, brega, suburbana e, acreditavam milhões de pessoas, uma cantora genial. Ambas tinham talento médio e soçobraram porque, no fim, isso é efetivamente o que conta. Com a anunciadíssima e certa morte das gravadoras, tais fenômenos acabam virando defesas desvairadas de que, sim, há ainda um caminho para se ganhar dinheiro com música. Equívoco claro. Atemoriza-me o melancólico fato de que não ouço nada de novo que mereça um rodapé de página desde que 2009 recebeu no céu aquela chatíssima saraivada de fogos. Estou a repetir, sem fôlego, os mesmos discos no carro e em casa. Voltando a décadas passadas para limpar o ouvido, hoje quase mouco diante do batalhão de artistas inacreditáveis. E esse retorno é sempre aos mesmos, ao Jobim, ao Joe Jackson, às coisas feitas nos anos 70, ao jazz e, mais recentemente, a Richard Wagner. Por isso, quando pousa na minha mesa um tributo a Chico Buarque, como este Por eles e por elas, série que marca os 40 anos da Som Livre, perco meu parco tempo a ouvi-lo. Mesmo sabendo que as 28 canções aqui relacionadas podem ser ouvidas, boa parte, em songbooks de nosso maior compositor vivo.

Faço aqui uma confissão profissional. Nos anos 90, conhecendo a obra de Chico Buarque superficialmente – alguns discos, alguns clássicos e um sono profundo num show no Canecão com meus pais nos anos 80 – meu editor cismou que eu deveria fazer uma entrevista (oferecida) com o Chico. Sabem os jornalistas que nosso grandioso autor dá entrevistas só quando lança discos a cada cinco, seis anos, e fecha a boca para sempre, mesmo quando se expressa em livros. Meus colegas, todos, especialmente as mulheres, queriam sentar-se diante dos olhos cor de ardósia por quaisquer dez minutos. Mas era eu o felizardo. Meu editor, então, me perguntara qual era meu conhecimento da obra de Chico. E eu, de pronto: “Tenho tudo em casa”! Uma hora depois estava debruçado na estante de MPB da Gramophone, na Gávea, comprando tudo, todos os discos, tudo relacionado a Chico. Eu ainda estava muito mais conectado umbilicalmente com a música pop naqueles tempos. Enfiei-me em casa, não atendi a nenhum telefonema no fim de semana e pus-me a escutar exaustivamente e a entender e assimilar cada disco – e obviamente o que estava sendo posto à prova (As cidades). Fui tragado pelas melodias e, obsessivo, nada mais ouvi nos próximos anos. Ao chegar à entrevista com Chico, no camarim do Canecão, poderia cantar todas as suas músicas, fazer corelações, referências, citar arranjos. Fiz aquela entrevista (e mais uma, seis anos depois, ajudado por Mario Canivello, para uma biografia de Guinga), fui cobrir a pré-estreia da turnê em Juiz de Fora e posto de plantão no show sete vezes! Foi a melhor obrigação da minha vida, a despeito de ter recusado o convite de meu pai a assistir a Tom Jobim ao vivo, ainda moleque. Por isso, ao reouvir as músicas de Chico neste Por eles e por elas, por vezes regojizei-me; noutras, padeci. Diferentemente do dedicado a Djavan, que, com uma exceção ou outra, trazia belas interpretações da obra do autor, este abre portas para quem não tem laço com o compositor.

Puseram no projeto meninas em busca de espaço (Maria Gadu e Monique Kessous), cometeram o crime de botar no troço Fernanda Takai (meu Deus, insistem nela), Monica Salmaso (que a crítica paulista adora, e até o pessoal do Trapiche Gamboa), Zeca Baleiro (qual o link?) e, como sempre, Ivete Sangalo (quando não é ela, é Claudia Leitte ou Daniela Mercury, alguma baiana tem que ter). Inserções que me remetem diretamente aos terríveis tributos ao vivo cometidos pelo Multishow no fim da década de 90/começo desta.

Se eu retratasse a compilação apenas por este último parágrafo, porém, seria injusto. Conto que os grandes estão aqui neste disco duplo também. Cássia Eller (Partido alto), Clara Nunes (Apesar de você), Nara Leão (Olhos nos olhos), Elis Regina (Atrás da porta) e um dueto de Maria Bethânia com Alcione (O meu amor). Entre os homens, Wilson Simonal (A banda), Caetano Veloso (Samba e amor), Milton Nascimento (Beatriz), Zeca Pagodinho (A Rita) e até o encontro solene de Renato Russo e Hélio Delmiro (Gente humilde).

Num tributo a Chico Buarque, diferentemente de alguns outros a que prefiro me abster, o que vale aqui é reapresentar a uma geração um autor que, de forma quase sagrada, construiu um manancial de canções que fazem corar os que têm certeza de que Susan Boyle e Mallu Magalhães são exemplo de talento.


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