Sobre nós
O blog “Falando do B” tem como objetivo resgatar a história de um grande sucesso do Jornal do Brasil, o Caderno B. Os alunos da FACHA (Méier) desejam mostrar o início desse suplemento, a sua fase áurea, os grandes escritores e jornalistas que trabalharam no caderno e o quanto ele foi importante, visto que inaugurou uma área cultural até então inexplorada pelo jornalismo brasileiro. Os cadernos culturais se transformaram em objeto de desejo da maioria dos jornais depois de sua criação. O Caderno B foi o pioneiro e até hoje nós podemos curtir esse trabalho diariamente no JB.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
quarta-feira, 24 de junho de 2009
OS BEATLES (04/07/1965) - por José Carlos Oliveira
- Os velhinhos estão zangados porque nós conquistamos, cantando, a medalha que eles foram buscar no campo de batalha. Pois eu acho que é muito melhor cantar do que fazer a guerra.
Eis, em sua simplicidade, o conflito. A juventude quer a dança, a bagunça alegre; os mais velhos vêm com aquela velha história de honra e bravura, que acaba em sangue e lama. O encanto dos Beatles reside no fato de que não levam nada a sério, a não ser o dinheiro. E não se preocupam muito com o dinheiro, apenas vão recolhendo aquilo que ganham com o seu trabalho. Mostram-se cabeludos só para chatear, e um deles, John Lennon, considerado o intelectual do grupo, chegou mesmo a publicar um livro completamente alucinado, que lembra os belos tempos de outra geração igualmente descontraída, pacífica, alegre e, por isso tudo, perigosa: os surrealistas. Foram dizer a John Lennon que o modo como o seu livro fora escrito recordava a técnica de James Joyce. Eis o que ele comentou:
Todo mundo falava tanto que eu imitava o Joyce que acabei resolvendo lê-lo. Foi fantástico. Incrível. Levei a metade de um dia para decifrar a metade de um capítulo. Mas tive a impressão de reencontrar o meu papaizinho...
É bom que os jovens não tenham medo de nada e que se lancem como iconoclastas sobre tudo o que se considera mais sagrado e respeitável: os cabelos cortados, a literatura de vanguarda, qualquer espécie de protocolo e, finalmente, aquilo que é quase sempre o fim de tudo isso: a guerra para defender toda essa hierarquia, que no entanto é sempre contestável. Quem fez a fortuna dos Beatles foram as crianças. Em todas as regiões do Ocidente, as crianças se apaixonaram por eles e começaram a disputar os seus discos. Foi uma penetração irresistível: dos 200 milhões de dólares ganhos em 1964 pela indústria norte-americana de discos, 50 por cento eram representados pelos Beatles. Cem milhões de dólares, portanto, é quanto eles valem, em apenas um ano e em apenas um país. Em vez de devolverem as medalhas, aqueles velhos senhores deveriam começar a perguntar por quê. Por que os Beatles? Por que esses cabeludos, esses que zombam de tudo e não levam nada a sério?
Porque atrás dos Beatles estão toda a juventude e toda a infância. Esperemos que eles cresçam, e muitos velhos senhores começarão a tremer.
domingo, 21 de junho de 2009
Entrevista com Reynaldo Jardim, criador do Caderno B
da criação do Caderno B?
Pela porta do Rádio Jornal do Brasil, onde dirigi e criei o Sistema “música e informação”.
2- No que exatamente consistiu a Reforma do JB, ocorrida nos anos 50?
A reforma do JB começou justamente nesse suplemento. Era um caderno de vanguarda inserido num mar de anúncios classificados. Com o sucesso do SDJB, a Condessa Pereira Carneiro resolveu dar uma cara e um conteúdo novo ao jornal. Chamou uma equipe de jornalistas, a maioria vinda do Diário Carioca. A cabeça da reforma do JB foi o Janio de Freitas. Você precisa falar com ele.
3- Como foi o processo de criação do Caderno B, tanto na parte gráfica quanto na de conteúdo?
Antes de criar o Caderno B inventei o Suplemento Dominical do Jornal do Jornal do Brasil que começou sendo um programa de crítica, comentários e assuntos culturais. O programa se transformou em caderno cultural, onde colaboraram: Antônio Houaiss, Ferreira Gullar, Mário Pedrosa, Mario Faustino, o Nogueira, o Rouanet e um punhado de jovens muito bem informados.
4- De que forma foi traçada a linha editorial do B?
O JB era editado em dois cadernos. O segundo era apenas o prosseguimento do primeiro e nele saiam os classificados. Eu achei que esses anúncios deveriam sair em caderno separado. O caderno A, atualidade; o C, classificados; o do meio, o B, assuntos culturais. O B, batizado pelo Jânio, era editado por mim. Como eu só sei editar desenhando as páginas.
Não houve um planejamento a priori. As coisas foram tomando forma aos poucos, à proporção que ia formando a equipe. Havia páginas com editorias fixas. Por exemplo, o Sérgio Cabral escrevia uma página chamada “Música naquela base”. O Noronha copidescava “Onde o Rio é mais carioca” com matéria produzida pelo Amaury e a Vera. O Newton Carlos, “O céu também é nosso”.
5- O prestígio do Caderno era em função da qualidade das matérias ou dos colunistas?
Da inovação, do bom jornalismo, da dedicação de todo mundo.
6- De que forma os colunistas eram escolhidos?
Pelo talento e bom texto. Pela honestidade profissional.
7- Como era trabalhar com pessoas famosas como Clarice Lispector, Marina Colasanti e Drummond?
Eu criei e editei o B durante cerca de seis anos. Depois vieram outros editores. No meu tempo eu não trabalhava com pessoas famosas, trabalhava com jovens competentes que depois se tornaram famosos.
8- Por qual motivo o senhor se demitiu do JB em 1964?
Quando eu me demiti, era o editor do B, diretor da Rádio JB, fazia o Caderno de Domingo e uma revistinha para crianças.
9- Em termos de ambiente, colegas e linha editorial, em qual veículo o senhor gostou mais de trabalhar?
10- O caderno de hoje pode ser considerado tão bom quanto o Caderno B dos anos 60 e 70?
Nuvens suburbanas sob o sol de Ipanema
Matéria de Joaquim Ferreira dos Santos publicada na capa do Caderno B de 4 de novembro de 1984.
"Ipanema, essa senhora cada vez mais gorda e poluída, reclama de novas estrias e dentes cariados em seu corpanzil: agora é culpa dos ônibus Padron, a linha 461 que, há um mês, está trazendo suburbanos para seu "paraíso", numa viagem de apenas 20 minutos, via Rebouças. É o que dizem seus moradores, inconformados. Ouçam só:
- Que gente feia, hein?! (Ronald Mocdes, artista plástico, morador da Garcia D`Ávila, bem em frente ao ponto do ônibus).
- No outro dia eu saí da loja com um vestido comprido, alinhado, e você precisava ver o que aconteceu. Me chamavam de urubu, um horror. (Débora Palmério Fraga, gerente da Gregorio Faganello).
- É chocante dizer, mas eles estão desacostumados com os costumes do bairro. Nem vou mais à praia aqui. É farofeiro para tudo quanto é lado, olhando a gente de um modo estranho. Ficam passando aquele bronzeador. A sensação é de que eles estão invadindo o nosso espaço. (Maria Luiza Nunes dos Santos, ex-freqüentadora da praia da Garcia D`Ávila e que agora só vai ao Pepino).
- Desse jeito o verão vai ser um faroeste. (César Santos Silva, proprietário da lanchonete Chaika, na Visconde de Pirajá).
Os comerciantes estão se organizando e já despacharam diversos abaixos-assinados aos gabinetes de Leonel Brizola, de Jaime Lerner (o secretário que inventou a linha de ônibus), ao Detran, a todos que eles julgam com poderes para erradicar o mal. Reclamam também do inferno que se formou no trânsito. Ouçam mais:
- Depois das 17 horas a minha vitrine fica escondida atrás de uma fila enorme de passageiros. É claro que as clientes ficam bem inibidas de atravessar no meio daquela gente toda. (Doris Serfaty, da butique Carla Roberto, na Rua Vinicius de Moraes. Ela está lançando a moda que deixa o sutiã à mostra).
- A rua é muito apertada e, quando o ônibus pára, interrompe o tráfego no bairro inteiro. Só dá ele na rua. Fica uma buzinação de louco. Além disso ele é muito pesado, e o asfalto está cedendo. Tem que botar ele para fora da área do comércio. (Luli Beviláqua, da loja Luli R).
***
Há muito tempo que Luli não freqüenta a praia de Ipanema, preferindo as delícias mais calmas e limpas da Barra da Tijuca. Mas, definitivamente, já não há qualquer gueto de sofisticação sobre nossas areias, lamenta. Pois até a Barra está sendo cortada por outra linha da Padron, diretamente de Madureira. Na praia de domingo passado, Luli já sentiu a diferença.
- A praia mudou de cor. Eu fico ali no Farol da Barra, junto com o pessoal que pega wind. Apareceram umas caras inteiramente novas. Um cara estendeu a toalha, deitou e dormiu o tempo todo. Nunca tinha visto isso.
Os moradores de Ipanema sugerem que a Padron faça seus pontos no Jardim de Alá, na Praça General Osório, na Henrique Dumont, na Epitácio Pessoal, locais mais amplos, onde não causam qualquer dano ao fluxo do trânsito. E que a polícia, o 19º Batalhão, dê blitzen constantes no bairro. Eles acham que, se continuar do jeito que está, Ipanema no verão vai ser notícia não pelo biquíni enroladinho ou pelo sutiã exposto.
- No sábado um sujeito desses ônibus sentou em sua cadeirinha de praia dentro da minha loja para aproveitar o ar refrigerado, enquanto esperava a condução. Tive que chamar os seguranças da rua. Quando chegou na segunda-feira fui abrir os cadeados da porta e não consegui. Os farofeiros tinham entupido tudo com areia e papel. Precisei serrar. (Dono de uma sofisticada loja de decoração na Visconde de Pirajá, que não se identifica com medo de represálias).
- São grupos enormes, sempre gritando, fazendo bagunça e puxando os cordões de quem passa. Estão criando um cenário de vandalismo e terror. Os moradores por aqui estão assustados. (César Santos Silva, Chaika).
- Os passageiros na fila ficam olhando aqui para dentro de um jeito mal-encarado. As freguesas comentam com a gente: "Que horror!" No outro dia tinha um mal-encarado que ficou no ponto um tempão, sem pegar os ônibus. Como estava com a mão enrolada pensamos até que tivesse uma arma dentro. Chamamos a policia. Viver nesse clima não dá. Essa é a rua das melhores boutiques do Rio. Onde é que estavam com a cabeça quando botaram um ponto de ônibus suburbano aqui? (Cristina Campos, vendedora da Spy and Great, em frente ao ponto da Garcia D`Ávila).
***
Os depoimentos se sucedem, falam de churrasqueiras na praia, de bóias de pneus, do trânsito emperrado atrás das enormes traseiras dos Padron. Para que tudo melhore há tanto os que sugerem a mudança dos pontos, a retirada dos ônibus, mais polícia nas ruas, assim como mais educação. Mas pedem pressa. Pois o verão está aí e antes dele o Natal, mês que vem.
- A gente paga imposto tão caro para eles botarem essa pobreza na porta da gente. parece até a Central do Brasil. De vez em quando a gente passa por eles e grita "Japeri". Eles ficam chateados. (Ronaldo Mocdes, artista plástico).
- Fica essa negrinhagem aí na porta... (Cristina Campos, vendedora da Spy and Great).
- Quem tem um nível melhor já está procurando outra praia que não seja Ipanema. Eles não têm classe, não têm educação. Eu sei que a praia é pública, mas é horrível. No outro dia eu estava na praia conversando com a minha irmã, dizendo como os suburbanos são horríveis. Uma suburbana reclamou, mas eu nem dei conversa. Vê se eu vou me misturar. (Sonia Barletta, moradora da Rua Vinicius de Moraes).
- Eles têm direito de ir à praia, mas podem ir de maneira organizada. Ou senão ficar na praia deles, em ramos. O governo podia fazer também um lago artificial pra eles lá no subúrbio (Maria Luiza Nunes dos Santos, vendedora da Faganello).
- O turismo vai ser prejudicado, você vai ver. Ou você acha que o pessoal do Caesar Park vai querer se misturar com eles, suas bananas, piquenique. Pode parecer elitista, mas não é não. os suburbanos atrapalham. (Débora Palmério Fraga, gerente da Faganello).
- É o fim da picada, Ipanema acabou. Na praia ficam agora uns homens gordos passando bronzeador na barriga branca, aquelas cenas de amor de suburbano. Na minha porta é trocador assobiando, uma multidão sempre, gente feia mesmo. Não dá nem pra sair mais com os meus cachorros. (Ronald Mocdes, artista plástico, acariciando seus cachorros da raça Saluky, de nomes Tramp e Chivas).
- Au, au, au. (Tramp e Chivas)."
Por Amarilis Brandão, David Trindade e Karina Mattos
sábado, 20 de junho de 2009
quarta-feira, 17 de junho de 2009
O B: precursor do jornalismo cultural especializado no Brasil
(Por Arthur Dapieve)
Dado o compreensível deslumbramento de estudantes e jovens profissionais pela área, a primeira coisa a ser dita sobre jornalismo cultural talvez seja a seguinte: ele não é, em si, uma forma de arte. Jogado o balde de água fria, cabe então acrescentar calorosamente: apesar disso, os chamados "segundos cadernos" continuam a ser, na imprensa brasileira, o habitat por excelência da experimentação e da renovação, tanto no texto como na apresentação gráfica. De tal forma que recursos inventados nas editorias de cultura são tomados emprestados pelas outras editorias, arejando jornais ou revistas. É de bom tom, porém, que essa avenida seja de mão dupla: o repórter cultural jamais deve perder de vista que, por mais "cultural" que ele seja, continuará sendo "repórter". E, portanto, em comum com seus colegas de redação, continuará tendo responsabilidades para com o leitor.Mas por que o jornalismo cultural acabou por se tornar o obscuro o objeto do desejo de expressiva parcela de formandos e recém-formados? Entre outras razões porque, anteriormente, o próprio caderno cultural havia se tornado objeto de desejo de quase todos os grandes e médios jornais brasileiros a partir da criação do Caderno B, do Jornal do Brasil, tal como o entendemos. No final dos anos 1950, o artista plástico Amílcar de Castro foi convidado por Odylo Costa, filho, para reformular o jornal visualmente. Não era tarefa fácil. Era preciso quebrar resistências em vários setores do JB, dos cargos de chefia aos operadores da gráfica. A sua nova primeira página, por exemplo, com um "L" de anúncios, mas ainda muito semelhante à que vemos hoje em dia, só foi pela primeira vez para as ruas a 2 de junho de 1959, cerca de dois anos depois do início do trabalho de Amílcar.Foi nesse contexto que surgiu o Caderno B. Destinado a não apenas tratar de cultura, mas também a ser, ele próprio, um produto cultural. Parte do hábito de se embaralhar jornalismo de arte com arte do jornalismo vem, por conseguinte, dessa concepção de suplemento, suplemento anteriormente identificado como "feminino" ou "de variedades". O velho B podia se dar a este luxo: contava em seus quadros, por exemplo, com o designer Reinaldo Jardim e com o poeta Ferreira Gullar. Ambos, e outros tantos, eram representantes de um tempo pré-regulamentação da profissão de jornalista, na qual escrever bem literariamente se confundia com escrever bem jornalisticamente. Graças a essa confusão, é bom ressaltar, os jornais brasileiros foram enriquecidos por, entre tantos outros, Graciliano Ramos e Nelson Rodrigues. Quase todo escritor nativo de antes dos anos 1970 pisou numa redação. A língua agradece.Com seus textos criativos e sua diagramação arrojada, o Caderno B tornou-se então um ponto de referência na imprensa do país. "Caderno B, você ainda vai ter um", poderia ter sido o slogan dos jornais brasileiros. Cedo ou tarde, todos os mais importantes criaram ou recriaram seus suplementos, às vezes traindo sua inspiração já nos títulos: Dia D (O Dia), Tribuna Bis (Tribuna da Imprensa), Caderno 2 (Estadão). O resultado foi que os cadernos de cultura à moda brasileira se tornaram sui generis no mundo. Não há, nos EUA ou na Europa, suplementos diários de cultura trazendo reportagens, resenhas críticas, colunas assinadas e, tão importante quanto, o chamado "serviço", ou seja, notinhas com o roteiro dos cinemas, teatros, galerias, casas de espetáculo: seus endereços e telefones, seus horários e dias de funcionamento, etc.No exterior, esse tipo de jornalismo fica restrito a um caderno semanal nos grandes diários, ou a revistas especializadas. Notícias sobre cultura são publicadas todos os dias, mas não em seções especiais, em separado, com as mesmas características conceituais dos cadernos brasileiros tributários do B.
Alberto Dines explica as peculiaridades do B
Não era um suplemento literário, ensaístico, como os do Estado de S. Paulo, do Correio da Manhã e Diário de Notícias, montados em cima de rodapés assinados pelos "nomões" da crítica literária na boa tradição do feuilleton europeu. O "B" era uma pausa para o jornalismo de qualidade, grandes fotos, textos esmerados completos, grandes entrevistas, resenhas estimulantes, pausa para o prazer de ler e o dever de pensar.
O lado B do jornalismo é o seu lado verdadeiro, garantidor da sua sobrevivência ao longo de quatro séculos. Jornalismo cultural, cadernos de cultura e histórias bem contadas fazem parte do mesmo núcleo de resistência à homogeneização e à descartabilidade.
Este jornalismo cultural está sendo sitiado e lentamente esvaziado pelo comercialismo dos releases das editoras e produtoras, pelas lantejoulas do show-biz, pelas diferentes formas de charlatanice modernista e demais sub-subprodutos da sub-subindústria cultural."
terça-feira, 16 de junho de 2009
ALBERTO DINES-por Alexandre Brás
Alberto Dines esteve por 12 anos à frente da Redação do JB, tendo assumido pela primeira vez o cargo de editor em janeiro de 1962. Numa época de ditadura militar e censura aos órgãos de comunicação, Dines comandava o jornal em pelo menos dois momentos históricos: em dezembro de 1968, após a decretação do AI-5, mandou para as bancas uma edição marcada por ironias e linguagens figuradas; e, em 1973, driblou os censores mais uma vez, noticiando de forma original o golpe militar no Chile.
MORTE DE SALVADOR ALLENDE (12/09/1973)
Uma das mais importantes páginas do jornalismo nacional foi escrita em 12 de setembro de 1973, quando Alberto Dines chefiava a redação do JORNAL DO BRASIL. Na véspera, em Santiago, no Chile, eclodia o golpe contra o governo do presidente Salvador Allende, que foi achado morto num dos gabinetes do Palácio de La Moneda - e a partir daí a ditadura de Augusto Pinochet se instalaria de vez no país. Os censores brasileiros, que na época exerciam seu controle nas redações dos jornais através de bilhetinhos ou telefonemas, haviam determinado ao JB que a notícia da morte de Allende não tivesse nenhum destaque na primeira página. Nada de títulos garrafais, muito menos fotos abertas em várias colunas. Pois bem. Uma solução teria que ser encontrada, o jornal tinha que driblar de algum jeito a imposição da censura. Fez-se então uma primeira página sem manchete alguma, sem uma fotografia sequer, só com texto - as letras, de corpo 24, eram as maiores que os equipamentos da época permitiam. Ou seja: além do tradicional L de anúncios classificados, a morte do presidente chileno era o único assunto da primeira página do jornal. O impacto foi grande, muito maior do que qualquer título ou chamada teria. Uma edição que já foi descrita como uma das mais subversivas da história do jornal. Nas linhas finais do texto era descrito o trabalho do enviado especial do JB a Santiago, Humberto Vasconcelos, "que assistiu aos últimos momentos do governo Allende e destacou que os esquerdistas foram tomados de surpresa com a ação militar, que pôs fim a 41 anos de normalidade constitucional no Chile.
Entrevista com Antônio Carlos, conhecido como "Joinha", do Jornal do Brasil
Depois de quase mais ou menos 10 meses, teve a oportunidade da fotografia, o laboratório fotográfico na Avenida Rio Branco, 110/112. Hoje é o Edifício Conde Pereira Carneiro, que era o nome do dono do jornal na época.
Comecei fazendo estágio. Após quase dois a três anos de estágio teve uma vaga de Laboratorista Fotográfico. Comecei a fazer. Tínhamos uma equipe de 45 fotógrafos e 10 laboratoristas. Cobria tudo e fazia tudo, material para viagens. Sempre tinham no mínimo dois ou três viajando para cobrir uma matéria de fora e sempre alguém na Europa também. A primeira agencia de noticia do país foi a agência Jornal do Brasil em 1976.
Mudança da fotografia no jornal do Brasil
Para o jornal a mudança aconteceu no final dos anos 80 e começo dos anos 90. Começamos a revelar os filmes C41, com os negativos C41 expondo eles no papel você pode fazer cor ou preto e branco. As páginas da frente poderiam ter cor, mas as folhas de trás não poderiam se não uma colava na outra se não estragava o material. O material era chamado um por um. Isto do preto e branco para o colorido.
Com a era digital, o negativo acabou, mas conseguimos ficar até 2005 com a máquina analógica. Algumas pessoas ainda trabalhavam com essa máquina. Tinha o processo de copiar o negativo, aparecia na tela e mandava para o sistema para publicar no jornal. Dava mais trabalho, agora é importante esse “mais trabalho” porque fazíamos um trabalho mais balizado. Um rolo de filme tinha 35 fotografias, e você com 36 fotogramas você pensava mais no que fotografava. Hoje, no dia a dia, com um cartão de memória de quatro gigas o pessoal faz muita coisa. Com a facilidade de tirar muitas fotos, você acaba fazendo muita coisa repetida. No rolo de filme você tirava uma ou duas fotos do mesmo lugar para escolher qual seria ou ficaria melhor.
Sou mais conservador das fotografias tiradas de máquinas analógicas, pois você pode revelá-las e guarda-las por um tempo maior. O negativo dura mais que uma foto num CD.
“Fotografia era muito difícil, agora qualquer um fotografa”.
“Fotografia é o olhar”.
Entrevista: Lilian Newlands
Entrevista: Joaquim Ferreira dos Santos
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Resposta do quiz
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Entrevista: Evandro Teixeira
Formação acadêmica e possível aprendizado com a experiência
Suas fotografias
Tem fotografia que dá mais trabalho que outras para produzir. No caso de fotos tiradas em tiroteio, você tem que se safar e sair bem, isso é um problema que dá mais dor de cabeça. Você tem que sair vivo dali, mas não deixando de fotografar. Não diria que tenho fotos de maior preferência porque cada pessoa tem um olhar ao fotografar, mas gosto de fotografias pela simplicidade, pelo inusitado. A foto do Vinicius foi tirada no dia do aniversário dele para matéria do caderno B. Chegando lá, ele estava enchendo a cara de cachaça e uísque, mas eu tinha horário para entregar. E lá pra tantas, falei que precisava fazer uma matéria com ele, tendo que ser fotos diferenciadas. Até o momento não tinha. "Já bati foto de você bebendo, cantando violão com Chico e com Tom, e beijando sua mulher Marquita. Não quero uma foto deste tipo". Eu não esperava, ele levantou e agarrou o Tom e o Chico e ficaram deitados ali. E dali eles não levantaram porque já estavam doidões. É uma foto premiada, está no Museu.
Por Regiane Esteves e Ana Cristina Ramalho
terça-feira, 9 de junho de 2009
Quiz
É jornalista, escritor e crítico musical.
Trabalhou no Caderno B numa época em que era o único repórter homem. Benditas Sejam as Moças!
Já foi Em busca do Borogodó Perdido e quis saber O Que as Mulheres Procuram na Bolsa.
Hoje? É Gente Boa.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
3 anos de Bzão em Julho
Ele é topetudo, tem por volta de uns 18 anos de idade e acabou de entrar na faculdade. Tem uma banda de rock, usa sempre uma camisa preta com a letra B e leva um estilo de vida alternativo. O querido Bzão, personagem Caderno B do Jornal do Brasil, criado pelo quadrinista Pedro de Luna, completa 3 anos no dia 16 de Julho.O personagem foi criado para homenagear o Dia Mundial do Rock, comemorado sempre em 13 de julho, quando editor do Caderno B, o jornalista Mario Marques começou a escrever a coluna BdeBanda (que também dá nome a um festival anual para bandas independentes).As tiras do personagem costumavam sair uma vez por semana na BdeBanda no Caderno B até agosto de 2007. Mas Mario Marques, resolveu publicá-lo de segunda a sexta. As tiras do Bzão também são divulgadas na internet além do Caderno B e também em exposições em shows de rock. O personagem já esteve em festivais de rock no Acre, em Rondônia, Cuiabá e no Rio.
Tropa de Sucesso
Aqui estão listados alguns deles:
Trivial
Zózimo
Fernando Sabino
Rubem Braga
Luis Orlando Carneiro
Pedro Mulles
Dácio de Almeida
Mario Pedrosa
Julio Hungria
Valério Andrade
Roberto Quintaes
Arnaldo Saraiva
Literatura
Carlos Drumond Andrade
Clarice Lispector
Lago Burnet
Hélio Pólvora
José Carlos de Oliveira
Artes
Ferreira Gullar
Walmir Ayala
Harry Laus
Musica
Carlos Eduardo
Renzo Massarani
Mauro Ivans
Juvenal Portela
Mulher
Mirian Alencar
Gilda Chataignier
Celina Luz
Religião
Martins Alonso
Jehovanira Sousa
Ciências
José Itamar de Freitas
Cinema
José Carlos Avellar
Televisão
Fausto Wolff
Teatro
Ian Michalski
Agatha Christie, a "Rainha do Crime"
sexta-feira, 5 de junho de 2009
Tarcísio Holanda, Repórter especial
1982: Marília Pera é eleita a atriz do ano
quinta-feira, 4 de junho de 2009
1980 - Show de Sinatra no Maracanã
A exaltação da grande platéia, de fãs de diversas partes do Brasil e do exterior, colidiu com o rígido esquema de acesso dado aos profissionais da mídia para a cobertura do show. Somente um fotógrafo de cada órgão de imprensa pode trabalhar no gramado. Aos outros, foram destinados lugares no fosso dos jogadores ou na Tribuna de Imprensa. Nenhum jornalista teve acesso ao gramado.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
terça-feira, 2 de junho de 2009
Sucesso relâmpago de hoje Susan Boyle na visão de Mario Marques
É preciso ouvir a obra de Chico Buarque para lembrar que Susan Boyle é nada
Mario Marques, Jornal do Brasil
RIO - Esquecíveis, como qualquer produto de entretenimento da internet – sem piedade atropelado pelo fenômeno seguinte – Mallu Magalhães e Susan Boyle entram para os anais da indústria cultural como exemplos de artistas que ganharam fama mais pelo pacote do que pelo conteúdo. Mallu era a menininha de 15 anos que tocava musiquinhas ao violão evocando Bob Dylan e Johnny Cash e namorou (ou namora, ou não) Marcelo Camelo. Susan Boyle era feia, gorda, brega, suburbana e, acreditavam milhões de pessoas, uma cantora genial. Ambas tinham talento médio e soçobraram porque, no fim, isso é efetivamente o que conta. Com a anunciadíssima e certa morte das gravadoras, tais fenômenos acabam virando defesas desvairadas de que, sim, há ainda um caminho para se ganhar dinheiro com música. Equívoco claro. Atemoriza-me o melancólico fato de que não ouço nada de novo que mereça um rodapé de página desde que 2009 recebeu no céu aquela chatíssima saraivada de fogos. Estou a repetir, sem fôlego, os mesmos discos no carro e em casa. Voltando a décadas passadas para limpar o ouvido, hoje quase mouco diante do batalhão de artistas inacreditáveis. E esse retorno é sempre aos mesmos, ao Jobim, ao Joe Jackson, às coisas feitas nos anos 70, ao jazz e, mais recentemente, a Richard Wagner. Por isso, quando pousa na minha mesa um tributo a Chico Buarque, como este Por eles e por elas, série que marca os 40 anos da Som Livre, perco meu parco tempo a ouvi-lo. Mesmo sabendo que as 28 canções aqui relacionadas podem ser ouvidas, boa parte, em songbooks de nosso maior compositor vivo.
Faço aqui uma confissão profissional. Nos anos 90, conhecendo a obra de Chico Buarque superficialmente – alguns discos, alguns clássicos e um sono profundo num show no Canecão com meus pais nos anos 80 – meu editor cismou que eu deveria fazer uma entrevista (oferecida) com o Chico. Sabem os jornalistas que nosso grandioso autor dá entrevistas só quando lança discos a cada cinco, seis anos, e fecha a boca para sempre, mesmo quando se expressa em livros. Meus colegas, todos, especialmente as mulheres, queriam sentar-se diante dos olhos cor de ardósia por quaisquer dez minutos. Mas era eu o felizardo. Meu editor, então, me perguntara qual era meu conhecimento da obra de Chico. E eu, de pronto: “Tenho tudo em casa”! Uma hora depois estava debruçado na estante de MPB da Gramophone, na Gávea, comprando tudo, todos os discos, tudo relacionado a Chico. Eu ainda estava muito mais conectado umbilicalmente com a música pop naqueles tempos. Enfiei-me em casa, não atendi a nenhum telefonema no fim de semana e pus-me a escutar exaustivamente e a entender e assimilar cada disco – e obviamente o que estava sendo posto à prova (As cidades). Fui tragado pelas melodias e, obsessivo, nada mais ouvi nos próximos anos. Ao chegar à entrevista com Chico, no camarim do Canecão, poderia cantar todas as suas músicas, fazer corelações, referências, citar arranjos. Fiz aquela entrevista (e mais uma, seis anos depois, ajudado por Mario Canivello, para uma biografia de Guinga), fui cobrir a pré-estreia da turnê em Juiz de Fora e posto de plantão no show sete vezes! Foi a melhor obrigação da minha vida, a despeito de ter recusado o convite de meu pai a assistir a Tom Jobim ao vivo, ainda moleque. Por isso, ao reouvir as músicas de Chico neste Por eles e por elas, por vezes regojizei-me; noutras, padeci. Diferentemente do dedicado a Djavan, que, com uma exceção ou outra, trazia belas interpretações da obra do autor, este abre portas para quem não tem laço com o compositor.
Puseram no projeto meninas em busca de espaço (Maria Gadu e Monique Kessous), cometeram o crime de botar no troço Fernanda Takai (meu Deus, insistem nela), Monica Salmaso (que a crítica paulista adora, e até o pessoal do Trapiche Gamboa), Zeca Baleiro (qual o link?) e, como sempre, Ivete Sangalo (quando não é ela, é Claudia Leitte ou Daniela Mercury, alguma baiana tem que ter). Inserções que me remetem diretamente aos terríveis tributos ao vivo cometidos pelo Multishow no fim da década de 90/começo desta.
Se eu retratasse a compilação apenas por este último parágrafo, porém, seria injusto. Conto que os grandes estão aqui neste disco duplo também. Cássia Eller (Partido alto), Clara Nunes (Apesar de você), Nara Leão (Olhos nos olhos), Elis Regina (Atrás da porta) e um dueto de Maria Bethânia com Alcione (O meu amor). Entre os homens, Wilson Simonal (A banda), Caetano Veloso (Samba e amor), Milton Nascimento (Beatriz), Zeca Pagodinho (A Rita) e até o encontro solene de Renato Russo e Hélio Delmiro (Gente humilde).
Num tributo a Chico Buarque, diferentemente de alguns outros a que prefiro me abster, o que vale aqui é reapresentar a uma geração um autor que, de forma quase sagrada, construiu um manancial de canções que fazem corar os que têm certeza de que Susan Boyle e Mallu Magalhães são exemplo de talento.
Entrevista: Diana Aragão
Trabalhei 14 anos, de 1973 quando entrei como estagiária até 1987, quando pedi demissão pra trabalhar no Segundo Caderno de O Globo a convite do meu ex-editor do B, o saudoso Humberto Vasconcelos.
O JB para sua carreira
Repercussão das matérias
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Vicente Senna e a seleção canarinho
Eis a crônica:
Crônica publicada no dia 21 de junho de 1982 no Jornal do Brasil.
Os 70 anos de Mario Quintana
domingo, 31 de maio de 2009
Diana Aragão escreve sobre Alicia Alonso
Mariléa Miranda contando sua história no JB
sexta-feira, 29 de maio de 2009
Entrevista: Marcelo Tognozzi
Trabalhei no JB entre 1987 e 1992.
2) Conte-nos um pouco dessa época no JB e sobre suas matérias no Caderno B.
Fiz várias matérias para o B. Cobri política em Brasília, Economia, geral, dirigi a sucursal de Salvador, fui editor da política na época em que a Luciana Villas Boas era uma espécie de supereditora de Nacional/Politica. Uma delas, de Brasilia, foi muito comentada. Uma entrevista com o Niemeyer que estava trabalhando na cidade na época em que José Aparecido era o governador. Saiu na edição de 9 de março de 1987. Fiz também uma das primeiras entrevistas com o Paulo Coelho numa grande matéria sobre magia. Ele ainda morava num apartamentinho de fundos em Copacabana, se não me engano na Dias da Rocha, e tinha publicado "O Diário de um Mago". Capa do B, a matéria sobre o malandro Moreira da Silva, com mil histórias. O promotor que usava o carro do traficante, o cara que vendida certidões da prefeitura em plena Presidente Vargas. E por aí vai.
Infelizmente eu não vejo, porque ficou difícil ler o JB diariamente, principalmente aqui em Brasilia. O jornal mudou muito e perdeu o peso de formador de opinião.
Significou muito, porque naquela época trabalhar no JB significava status profissional. Era um time de primeira, o melhor do jornalismo carioca. Aprendi muito, principalmente a não abrir mão de investigar, ouvir os dois lados, apurar fundo. Não havia denúncia publicada sem comprovação.
5) Lembra-se de alguma história interessante que tenha acontecido enquanto trabalhava no B?
Fiz também uma matéria fantástica com o Expedito Filho, em 1987. Foi manchete. Era sobre uma pseudo associação de coronéis e tenentes coronéis do Exército que servia de fachada para um golpe contra o Sarney. A matéria foi publicada num domingo. No fechamento da edição de segunda, o Zueinir estava no comandando da redação quando vários tiros foram dados nas janelas do JB. O atirador estava num carro estacionado no viaduto de acesso à Ponte, sentido Rio-Niteroi. Zuenir ficou branco, as pernas bambas, mas ainda teve forças para cravar a manchete daquela edição: Tiros no JB.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
Evandro Teixeira e o Caderno B - II
"Até hoje ninguém sabe se Evandro tem algum acordo com Deus para demonstrar tanta sensibilidade numa atividade tão difícil que é o fotojornalismo. Evandro consegue, e o Papa deve ter recebido alguma mensagem para não contrariá-lo no exercício da profissão.
Aliás, falando em Papa, Evandro talvez seja o único fotógrafo no mundo para quem Sua Santidade toma a benção e se curva, atendendo aos seus pedidos, para deixar que sua arte seja exercida em toda plenitude.
Isso pode parecer exagero, mas não é. Era do conhecimento apenas do meio jornalístico o que aconteceu com o Evandro por ocasião da visita do Papa João Paulo II ao Brasil, em 1980. Quando o Papa se ajoelha para beijar o chão, na chegada ao Galeão, ainda na pista, Evandro perde a foto e não se faz de rogado e grita: "Repete aí, ó Seu Papa". O que é pior, ou melhor, o Papa espantado repete. Evandro então faz a foto e com um sorriso malicioso, sorriso daquelas pessoas que têm cumplicidade com Deus, diz; "A gente tem que tentar sempre a melhor foto. Até o Papa sabe disso". Até a algum tempo, se alguém comentasse isso fora do meio, iam dizer que é mentira. Não é. Tudo foi confirmado e se tornou público com a matéria do Caderno B do Jornal do Brasil de 09 de abril de 2000.
Dessa maneira, expor o sagrado ficou fácil. Percebemos isso quando vemos a foto do Papa olhando a mão que surge do nada, querendo mostrar que aquele que ela está procurando é o fotógrafo escolhido e parece que o Papa pergunta: "Quem é ele e o que ele tem que eu não tenho?". Deus responde: "Ele tem máquina fotográfica e é o Evandro Teixeira. Precisa mais?".
Valéria Fernandes - matérias "saborosas" para o B
Caderno preto
A jornalista Maria Lúcia Rangel trabalhou no caderdo B na década de 70, no auge da censura. “Nós tinhamos um caderno preto, imposto pelos censores, com nomes que não podiam ser citados,” conta Maria Lúcia. Um deles, era o Chico Buarque - tanto que entrevistei Julinho da Adelaide, nome que ele inventou para poder falar de sua obra na imprensa.
"Nós eramos jovens, indignados e estimulados pelo grande número de leitores que o jornal tinha na época,” lembra. “Mas o principal é que os editores, como o Humberto Vasconcellos, nos davam toda liberdade para escrever.”
fonte: http://www.luciaguimaraes.com.br
quarta-feira, 27 de maio de 2009
Meninas do Caderno B
Christine Ajuz: a estagiária em pânico
Ainda não completara dois meses na casa quando a subeditora do Caderno B, Marina Colasanti, adentrou o salão da Reportagem Geral pedindo socorro ao chefe, Armando Strozemberg: "Por favor, amigo, preciso de um repórter que fale bem o francês para entrevistar a viúva do pintor russo Kandinsky. Ela está de passagem pelo Rio, vinda de São Paulo, onde foi para a Bienal de Artes Plásticas. É russa, está bem velhinha, e fala um francês com forte sotaque". Quando Armando me indicou pra missão, quase tive uma síncope: o Caderno B era o suprassumo, o patamar mais alto do JB, o mais sofisticado caderno de arte e cultura do país, e eu nem sabia direito quem era Kandinsky!!!! Imagine entrevistar uma senhora de idade, com dificuldades de articulação, falando uma língua que não era a dela - muito menos a minha! - sobre um assunto que eu desconhecia! Pensei que fosse desmaiar, mas meu chefe nem se abalou: "Vai pra Pesquisa", disse ele, e obedeci.
Entrei ofegante no Departamento de Pesquisa e expus meu problema aos colegas. Em cinco minutos tinha diante de mim um farto material sobre Wassily Kandinsky (1866-1944), "pintor e teórico russo, um dos mais importantes pioneiros da arte abstrata", segundo o Dicionário Oxford de Arte. É bem verdade que não houve tempo para aprofundamentos no assunto: a entrevista com a viúva estava marcada para duas horas mais tarde, no Copacabana Palace, e tive pouco mais de 60 minutos para dar uma cheirada no tema e não fazer feio diante dela. Levei cópias xerox do material pesquisado, que fui lendo no banco de trás da velha camionete Rural Willis até a porta do hotel. Pela primeira vez, estava em pânico, completamente insegura, e agradeci a Deus quando me abriu a porta do quarto uma senhora de 80 anos, pequena, um pouco curvada, com problemas de visão: ela certamente não notaria o estado de nervos em que se encontrava sua entrevistadora.
A conversa durou mais de uma hora, com Dona Nina muito solícita, me oferecendo comidas e bebidas, mostrando fotos antigas e livros com reproduções de quadros belíssimos de Kandinsky, de quem falava como se já não se tivessem passado três décadas de sua morte. Ela estava feliz com a homenagem que a XI Bienal de São Paulo prestava ao marido, mas reclamou muito do tempo chuvoso no Rio, que há cinco dias atrapalhava seus planos de turista. Gostei muito dela, e depois daquele encontro comecei a me interessar seriamente por artes plásticas: desde então, passo a maior parte do tempo dentro de museus e galerias nas minhas viagens, compro todos os catálogos das exposições que visito, tenho uma bela coleção de livros de arte, sou apaixonada por pintura flamenga e tenho um carinho todo especial por Wassily Kandinsky, de quem vi obras maravilhosas no Centro George Pompidou, em Paris, e no Museu Guggenheim, de Nova York. Afinal, por causa dele, no dia 11 de outubro de 1973 eu tive a minha primeira matéria assinada no Jornal do Brasil.
A escritora Marina Colasanti, então à frente do Caderno B, gostou e decidiu assinar o texto da estagiária à beira de um ataque de nervos, que você pode ler logo abaixo.O artista morreu em 13 de dezembro de 1944 - há quase 65 anos - e sua doce viúva foi assassinada 10 anos depois dessa entrevista, aos 90 de idade, em sua villa na Suíça, por um criminoso covarde e até hoje impune. "
Nas cores de Nina
Christine Ajuz
- Kandinsky foi o primeiro a dar à pintura a verdadeira expressão livre - a mais difícil, porque o pintor precisa conhecer perfeitamente o desenho, ter senso de composição e, sobretudo, ser poeta.Tranquila, serena, sem saudosismos, Nina Kandinsky fala do marido, falecido em 1944, como se não o visse apenas há uma semana. Ela chegou ao Rio no domingo, vinda de São Paulo, onde compareceu à inauguração da XII Bienal de Artes Plásticas que, este ano, presta homenagem ao grande artista russo, precursor da arte abstrata, pela primeira vez em exposição na América do Sul.No apartamento do Copacabana Palace, ela reclama do mau tempo, da chuva que lhe atrapalha os passeios pela cidade que "sempre quis conhecer", e relembra, com carinho, sua vida ao lado de um homem que "até sua morte, com quase 80 anos, deu formas, cores e conteúdo novos à arte".
O ARTISTA