Sobre nós


O blog “Falando do B” tem como objetivo resgatar a história de um grande sucesso do Jornal do Brasil, o Caderno B. Os alunos da FACHA (Méier) desejam mostrar o início desse suplemento, a sua fase áurea, os grandes escritores e jornalistas que trabalharam no caderno e o quanto ele foi importante, visto que inaugurou uma área cultural até então inexplorada pelo jornalismo brasileiro. Os cadernos culturais se transformaram em objeto de desejo da maioria dos jornais depois de sua criação. O Caderno B foi o pioneiro e até hoje nós podemos curtir esse trabalho diariamente no JB.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Christine Ajuz: a estagiária em pânico

Christine Ajuz deu o seu depoimento ao nosso blog e contou sobre a primeira reportagem em que assinou uma matéria no Caderno B. Obrigada pela colaboração!




Mme. Kandinsky e a estagiária em pânico


"Comecei meu estágio no Jornal do Brasil no dia 13 de agosto de 1973, na Reportagem Geral. Era aluna de Jornalismo da PUC e ainda tinha metade do curso pela frente, mas uma experiência anterior no Diário de Notícias, entre março e agosto do mesmo ano, me dera jogo de cintura para enfrentar sem sobressaltos as pautas mais exigentes daquele que era, à época, o jornal preferido dos intelectuais e da elite carioca. Tirava de letra as mais variadas "coberturas": acompanhar casos famosos na Justiça, entrevistar autoridades, noticiar da praia lotada de domingo em Ipanema ao buracão da Light no dia mais quente do ano em Realengo. Eu caprichava no texto, mas sabia que não precisava me preocupar demais: estagiário não assinava matéria.

Ainda não completara dois meses na casa quando a subeditora do Caderno B, Marina Colasanti, adentrou o salão da Reportagem Geral pedindo socorro ao chefe, Armando Strozemberg: "Por favor, amigo, preciso de um repórter que fale bem o francês para entrevistar a viúva do pintor russo Kandinsky. Ela está de passagem pelo Rio, vinda de São Paulo, onde foi para a Bienal de Artes Plásticas. É russa, está bem velhinha, e fala um francês com forte sotaque". Quando Armando me indicou pra missão, quase tive uma síncope: o Caderno B era o suprassumo, o patamar mais alto do JB, o mais sofisticado caderno de arte e cultura do país, e eu nem sabia direito quem era Kandinsky!!!! Imagine entrevistar uma senhora de idade, com dificuldades de articulação, falando uma língua que não era a dela - muito menos a minha! - sobre um assunto que eu desconhecia! Pensei que fosse desmaiar, mas meu chefe nem se abalou: "Vai pra Pesquisa", disse ele, e obedeci.


Entrei ofegante no Departamento de Pesquisa e expus meu problema aos colegas. Em cinco minutos tinha diante de mim um farto material sobre Wassily Kandinsky (1866-1944), "pintor e teórico russo, um dos mais importantes pioneiros da arte abstrata", segundo o Dicionário Oxford de Arte. É bem verdade que não houve tempo para aprofundamentos no assunto: a entrevista com a viúva estava marcada para duas horas mais tarde, no Copacabana Palace, e tive pouco mais de 60 minutos para dar uma cheirada no tema e não fazer feio diante dela. Levei cópias xerox do material pesquisado, que fui lendo no banco de trás da velha camionete Rural Willis até a porta do hotel. Pela primeira vez, estava em pânico, completamente insegura, e agradeci a Deus quando me abriu a porta do quarto uma senhora de 80 anos, pequena, um pouco curvada, com problemas de visão: ela certamente não notaria o estado de nervos em que se encontrava sua entrevistadora.


A conversa durou mais de uma hora, com Dona Nina muito solícita, me oferecendo comidas e bebidas, mostrando fotos antigas e livros com reproduções de quadros belíssimos de Kandinsky, de quem falava como se já não se tivessem passado três décadas de sua morte. Ela estava feliz com a homenagem que a XI Bienal de São Paulo prestava ao marido, mas reclamou muito do tempo chuvoso no Rio, que há cinco dias atrapalhava seus planos de turista. Gostei muito dela, e depois daquele encontro comecei a me interessar seriamente por artes plásticas: desde então, passo a maior parte do tempo dentro de museus e galerias nas minhas viagens, compro todos os catálogos das exposições que visito, tenho uma bela coleção de livros de arte, sou apaixonada por pintura flamenga e tenho um carinho todo especial por Wassily Kandinsky, de quem vi obras maravilhosas no Centro George Pompidou, em Paris, e no Museu Guggenheim, de Nova York. Afinal, por causa dele, no dia 11 de outubro de 1973 eu tive a minha primeira matéria assinada no Jornal do Brasil.

A escritora Marina Colasanti, então à frente do Caderno B, gostou e decidiu assinar o texto da estagiária à beira de um ataque de nervos, que você pode ler logo abaixo.O artista morreu em 13 de dezembro de 1944 - há quase 65 anos - e sua doce viúva foi assassinada 10 anos depois dessa entrevista, aos 90 de idade, em sua villa na Suíça, por um criminoso covarde e até hoje impune. "

Nas cores de Nina
Christine Ajuz


- Kandinsky foi o primeiro a dar à pintura a verdadeira expressão livre - a mais difícil, porque o pintor precisa conhecer perfeitamente o desenho, ter senso de composição e, sobretudo, ser poeta.Tranquila, serena, sem saudosismos, Nina Kandinsky fala do marido, falecido em 1944, como se não o visse apenas há uma semana. Ela chegou ao Rio no domingo, vinda de São Paulo, onde compareceu à inauguração da XII Bienal de Artes Plásticas que, este ano, presta homenagem ao grande artista russo, precursor da arte abstrata, pela primeira vez em exposição na América do Sul.No apartamento do Copacabana Palace, ela reclama do mau tempo, da chuva que lhe atrapalha os passeios pela cidade que "sempre quis conhecer", e relembra, com carinho, sua vida ao lado de um homem que "até sua morte, com quase 80 anos, deu formas, cores e conteúdo novos à arte".


O ARTISTA

Nascido em Moscou em 1866, Wassily Kandinsky começou a ser notícia no início do século, mais precisamente em 1910 quando passou a representar o quadrado, o triângulo e o círculo em expressão abstrata.- Ele sempre dizia que não se pode fazer a teoria sem antes conhecer a prática, e todo o seu trabalho seguiu esta diretriz.Sua obra dividiu-se em sete fases, cada uma correspondendo a um estilo diferente. Primeiramente, o neo-impressionismo, de 1900 a 1906, e o expressionismo, até 1910, "quando fez sua primeira aquarela abstrata e, no ano seguinte, o primeiro quadro a óleo". Depois, até 1920, o que chamamos de época dramática do abstracionismo, sua fase de explosão, em que retratou cometas, nebulosas, vias-lácteas.- Até 1913, Kandinsky retratava a natureza, ao mesmo tempo em que mergulhava na poesia do abstracionismo. Um dia, ele me disse: "Quando você notar que não é mesmo um poeta, volte à natureza e ela lhe dará o tema". Ele nunca mais retornou à sua antiga temática.De 1920 a 1926, a época arquitetural, mais construída e elaborada; de 26 a 28, a época do círculo; de 28 a 33, a época romântica da arte abstrata, quando parte então para Paris e lá se estabelece até sua morte, em 1944. Para Nina, a época parisiense foi a mais rica "em expressão, forma, conteúdo e cores; a apoteose de sua obra". E conta que ele jamais usou o mesmo vermelho num quadro:- Kandinsky atingiu o mais alto refinamento de cores; ele as estudou durante dois anos, observando os efeitos de uma sobre a outra, e, por isso, sua técnica é impecável.Os 22 quadros a óleo que compõem a sala especial da Bienal de São Paulo, grande parte de sua propriedade, são de uma fase expressionista que já entra na arte abstrata. Essas obras ficarão também em exposição durante 10 dias, em data ainda não fixada, no Museu de Arte Moderna do Rio. Para a viúva do artista, "a homenagem brasileira prestada a Kandinsky, através da Bienal de São Paulo, se torna ainda mais importante pelo interesse que se vem demonstrando por sua obra no Brasil".

2 comentários:

  1. Bom depoimento da Chris. Faça um título mais jornalístico, Priscila. Tire o "nos dá".

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  2. Tentando localizar cris ajuz, estou no Rio, farei uma exposição, e gostaria de convida-la fazer produção Cultutal, direção de immprensa, estamos aguardando resposta.
    Obrigado.

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