Artigo publicado originalmente por Alvaro Costa e Silva e Paulo Celso Pereira em 31/12/2004.
Publicado no Caderno B do Jornal do Brasil, 26 de dezembro de 2004.
"Ferreira Gullar é o Homem de Idéias de 2004. Aos 74 anos, o poeta foi lembrado pela relevância e extensão de sua obra e por sua posição política. Aos 74 anos, o maranhense Ferreira Gullar - um dos mais importantes poetas brasileiros, além de crítico de arte combativo, dramaturgo e jornalista - é o Homem de Idéias 2004. Em eleição de que participaram alguns dos escolhidos de anos anteriores - como o crítico literário Antonio Candido, o arquiteto Oscar Niemeyer, o cientista social Luís Eduardo Soares, o filósofo Leandro Konder, o sociólogo Francisco de Oliveira, o historiador José Murilo de Carvalho e o escritor Luiz Fernando Verissimo -, Gullar recebeu a maioria dos votos, superando o economista Carlos Lessa, o escritor Ruy Castro e a professora Alba Zaluar.
- A poesia é uma invenção, e, por isso, às vezes um poeta é mais ouvido. Pois o que ele escreve corresponde de uma maneira mais ampla ao sentimento das pessoas - afirma ele na entrevista da página B3 desta edição especial do Caderno B - Idéias & Livros.
Oscar Niemeyer, um velho amigo e militante dos tempos do Partidão (como era conhecido o Partido Comunista Brasileiro), abriu a campanha em favor de Gullar com poucas palavras. Mas palavras de ordem: - Ele é um sujeito correto, um homem de esquerda, um grande poeta e um bom camarada. Ao longo de 2004, a editora José Olympio deu início ao projeto de relançar toda a obra de Gullar (revista pelo autor e com esmerado projeto gráfico), publicando uma nova edição de Na vertigem do dia e outra de A luta corporal, em comemoração aos 50 anos do livro. E a Global mandou para as livrarias a 7ª edição da antologia Melhores poemas de Ferreira Gullar, organizada pelo crítico literário Alfredo Bosi. É com base nessas reedições que Leandro Konder justificou seu voto: - Os poemas dele foram reunidos e tornados acessíveis. E tiveram um eco surpreendente, sobretudo na nova geração, que reagiu bem aos poemas. Completando a ala dos votantes em Gullar, Antônio Cândido o escolheu por ser ''um poeta muito significativo'' e José Murilo de Carvalho ressaltou a importância de sua obra poética na moderna literatura brasileira e de seu trabalho como crítico de arte. Nascido em 10 de setembro de 1930, em São Luís, no Maranhão, José Ribamar Ferreira (Gullar é o aproveitamento do nome francês, Goulart, de sua mãe) pensou, primeiro, em ser jogador de futebol, até que um sarrafo de um adversário o demoveu da idéia. Aos 13 anos, na escola técnica onde aprendeu a plainar e polir madeira, decidiu ser escritor, depois de receber elogios de uma professora por conta de uma redação sobre o Dia do Trabalho. Manteve-se, assim, a tradição do Maranhão em gerar filhos que sabem como poucos manejar a língua. Gullar faz sempre questão de lembrar que a primeira gramática da língua portuguesa editada no Brasil foi escrita por um maranhense. Foi também um maranhense, Odorico Mendes, quem primeiro traduziu os clássicos poetas latinos Horácio e Virgílio. Por essas e outras, desenvolveu-se no Maranhão uma cultura clássica que levou São Luís a ser chamada de Atenas brasileira. Ferreira Gullar é um legítimo representante desse chão. Em 1949, foi publicado seu primeiro livro, Um pouco acima do chão, que mais tarde excluiria de sua bibliografia. Dois anos depois, começa a assinar críticas de arte quando, já no Rio, torna-se amigo do crítico Mário Pedrosa e de jovens pintores da época. Em 1954, Gullar lança A luta corporal, um de seus mais importantes livros de poemas, que vinha sendo escrito desde 1950. A partir deste livro, passa a ter contato com os poetas Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, que viriam a criar o concretismo, movimento com o qual Gullar flertou durante um tempo para depois abandonar definitivamente. No dia seguinte ao golpe militar de 1964, Ferreira Gullar filia-se ao Partido Comunista Brasileiro, em mais um ato revelador de sua solidariedade com os amigos e companheiros de luta política. Após um longo período vivendo na clandestinidade, Gullar parte para o exílio em 1971, primeiro em Moscou e depois em Santiago, Lima e Buenos Aires. Enquanto mora fora do país, colabora com o Pasquim e outros jornais alternativos. Em 1976, sai em livro o Poema sujo, escrito em Buenos Aires e que acabou lançado no Rio sem a presença de Gullar. ''Senti que poderia desaparecer a qualquer momento e nessas circunstâncias resolvi escrever o Poema sujo, como se fosse a última coisa da minha vida. É a última coisa, o último grito, e vou dizer tudo que tenho para dizer enquanto é tempo'', contou depois o poeta. A relação de Ferreira Gullar com o Jornal do Brasil é antiga. Convidado por Reinaldo Jardim em 1956, ele foi um dos primeiros colaboradores do famoso Suplemento Dominical, caderno literário que marcou época pela qualidade de seus ensaios e pela agitação que causou nos meios artísticos, lançando os movimentos Concreto e Neo-Concreto (cujo manifesto foi escrito por Gullar). O poeta defende a tese segundo a qual o sucesso e o prestígio do SDJB estimularam a condessa Pereira Carneiro a realizar a famosa reforma do JB, no fim dos anos 50. - Criávamos muito problema. Os responsáveis pela área econômica do jornal reclamavam do excesso de papel em branco. A gente exagerava: dava metade da página em branco, com apenas dois títulos. Ficava bonito, mas custava uma fortuna - relembra."
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