Affonso Romano de SantAnna escreveu alguns textos sobre o grande poeta Carlos Drummond de Andrade. Em um deles, Sant'Anna comenta sobre quando redigiu o obituário de Drummond:
Sensação realmente estranha, estapafúrdia, ambígua e perfeitamente normal, tive poucos dias antes da morte do poeta. Ele já estivera internado antes da morte de Maria Julieta. E a imprensa, prevendo que ele poderia morrer a qualquer momento, adiantava o obituário. É assim que a imprensa trabalha. Os jornais, para não serem pegos de surpresa, guardam obituários dos eminentes e iminentes candidatos à morte. Ora, eu havia substituído Drummond como cronista no Jornal do Brasil, e lá, Zuenir Ventura, que então chefiava o Caderno B, pediu que fizesse um ensaio sobre o poeta, porque ele poderia morrer a qualquer hora. Estranha, estapafúrfia, ambígua e perfeitamente normal a situação. Ele, vivo no seu apartamento, e eu, no meu, escrevendo o texto para após sua morte. No entanto, Drummond se restabelece e o que acontece é a morte de Maria Julieta de entremeio. Encontro-me com ele no velório da filha. Ele vivo, ali, na minha frente, e o jornal já com o meu texto sobre ele morto, não se sabia para quando. Pensei que deveria dar para ele ler. Acho que ele ia achar até engraçado. Ler vivo o que sobre ele se publicaria depois de morto. Após sua morte, um dia recebo o telefonema de uma ex-aluna, dizendo-me que Drummond aparecera numa sessão espírita e que havia mandado dois recados. Ouvi-os atentamente. Um era para Dona Dolores: que dissesse a ela para não se preocupar, porque ele estava muito bem. Quanto a mim, dizia a amiga espírita, ele mandava dizer que o que mais gostara fora o título daquele meu texto que o jornal publicara: “Vai, Carlos, ser gauche na eternidade”. Como se vê, do outro lado, ele continuava atento, atencioso e bem-humorado.
Por Priscilla Diniz
Minha primeira reação ao ler esse texto foi a do queixo caído. Drummond vive mesmo depois de morto!
ResponderExcluirO blog está tomando um rumo muito interessante e informativo. Ele nasceu com o objetivo de literalmente falar do Caderno B do JB, e está indo além das expectativas. Passa a ser uma ponte para nos aproximarmos dos jornalistas e escritores que fizeram uma competente combinação entre jornalismo e literatura. O legado deixado por eles é vasto e rico, devemos explorar o máximo possível!